quarta-feira, 4 de abril de 2018

Mises, Ayn Rand e Olavo de Carvalho.

O Brasil precisa mesmo ser pacificado. Mas não é agora que isso vai acontecer, independente de quem vença as eleições este ano.

O senso comum midiático está propondo que se pacifique o país mudando o comportamento de apenas um lado, o esquerdo, e que se silencie apenas um candidato, o Bolsonaro. Mas de nada isso vai adiantar enquanto "centro-político" formador de opinião da sociedade, estiver na mão de uma direita extremamente radicalizada, que sequestrou a ideia de "liberdade" para eles, onde todo o resto é inimigo que tem que ser abatido.

Como uma pessoa que, modestamente e sem pretensão acadêmica, estudou muito mais o liberalismo, a direita e o neoliberalismo, do que o marxismo ou movimentos de esquerda, eu afirmo que o que essa gente tem defendido, é o que de pior já existiu desde que os fascismos e nazismos foram gestados no século passado.

Vamos aos fatos:

O representante do "Partido Novo" carioca, que se coloca como a nova direita, pura, limpinha e liberal, votando contrário ao ensino laico no Rio de Janeiro, na última semana, é um bom termômetro para tal.

E isso é uma coisa de geração, o Brasil só vai ser pacificado quando toda essa geração for superada. Enquanto isso, o futuro é um cenário de violência, perseguição e reafirmação da pobreza.

O Brasil é o único país do mundo onde a Escola Austríaca ganhou predominância na direita "jovem", e está ganhando o debate no campo moral e social da forma mais suja possível. Enquanto que o campo econômico está hegemonizado pela Escola de Chicago. Até a centro-direita keynesiana, virou comunismo pra essa gente!

E porque afirmo que essa gente é violenta? Porque eles não tem mais a vergonha e nem o pudor de afirmar e defender que a violência seja praticada em nome "das liberdades". Sendo que uma liberdade que prevê miséria, concentração de renda, heroicização da elite e criminalização da pobreza. Porque foi isso que os três maiores teóricos dessa gente propuseram durante o último século, e propõem atualmente: Ayn Rand, Mises e Olavo de Carvalho.

Estes três autores formaram, meio que sem querer, um arcabouço retórico que fez com que jovens privilegiados pudessem defender os próprios privilégios sem o sentimento de culpa. Se a miséria existe, ela passou a ser culpa dos próprios miseráveis ou então de um espantalho morto e sepultado, transformado em inimigo metafísico: o comunismo.

E qual é o perigo real deles?

Bem, ideias, dependendo de quais sejam, são sim perigosas. E liberdade enquanto conceito é algo extremamente safado, pois o limite do usufruto dessa mesma liberdade é o dinheiro, e a capacidade de poder de suas ideias, idem. Todos os ideais defendidos por estes três autores estão se alastrando como erva daninha no país, por conta do uso financeiro abusivo que certos grupos empresariais fomentadores desses discursos vem lançando mão. Enquanto ideias que defendem igualdade e superação da pobreza, não apenas não possuem mais nenhuma permeabilidade social, como ainda são ridicularizadas por cupinchas pagos, com vasto poder midiático.

Pessoas com dinheiro, bem vestidas, fazendo conferências em hotéis caros, rodeados de poderosos. É irresistível. A classe média que tem síndrome de lombriga, ou seja, não pode ver uma merda que já abraça, mergulha de cabeça nesse balde de excrementos, como se estivesse inventando a roda.

Que liberdade é essa então, cara pálida?

É violento e hediondo que ricos, playboys e pessoas de classe média financiem, espalhem e defendam campanhas que viabilizem a privatização do SUS, da educação pública, a favor do fim dos direitos trabalhistas e etc.

Quem são os formadores dessa gente?

Olavo de Carvalho, é uma triste e folclórica figura que, de astrólogo a filósofo charlatão, e até de hospício já fugiu, em pouco tempo virou autor de best-seller no Brasil e leitura obrigatória de poderosos, jornalistas da Band, SBT, Jovem Pan e jovens de classe-média em geral.

Ludwig Von Mises, foi uma espécie de olavão que até o fascismo e o nazismo defendeu em nome "das liberdades". E por sinal, já li um de seus livros, o "Ação Humana", considerado a sua bíblia, e justamente por ter lido, me deixou abismado como pode uma obra tão medíocre formar tantas cabeças?

O livro é uma defesa sem vergonha do capital, e ninguém sequer questiona algo nele: Mises manipula milhares de vezes a ideia de "liberdade individual" coadunada com "sujeitar às regras do mercado". Ora, onde está a liberdade filosófica se a regra do mercado, para ser atingida, precisa ser sujeitada para tal, por meio uma mão estatal e cultural?

Já em relação à Ayn Rand, o caso é mais complexo. Pois eu nem sabia que essa senhora era considerada uma das maiores pensadoras da "direita" até 2012. E essa aí, no meu modo de vista, serviu de ponte para que a direita brasileira conquistasse essa roupagem que tem hoje. Se Mises e Olavo eram caras toscos, a Ayn Rand conquistou a classe média "de bem".

Em 2012 eu trabalhei na Oi com um camarada que era militante de um tal de "Partido Pirata". Esse cara, o que tinha de bem intencionado, tinha também de contraditório. Ele era um combo que hoje é quase um estereótipo: trabalhava com tecnologia, cicloativista, vegetariano, da esquerda libertária, estudante da UFSC, morador do Campeche e eleitor do Elson e da Dilma ("mas só no segundo turno", dizia ele), ao mesmo tempo em que achava que o Estado era uma merda.

Paramos de nos falar na época das marchas de Junho de 2013, mas isso é história para outra hora.

Por insistência desse colega de trabalho, li uma trilogia de quase 1200 páginas, de uma tal de Ayn Rand, que na época eu desconhecia, chamada "A Revolta de Atlas".

Não digo que a leitura do livro foi algo torturante. A narrativa era fluída e de fácil leitura. Você não lia uma página, fechava o livro, e ficava alguns minutos refletindo sobre um soco no estômago que acabara de receber, como acontecia comigo frequentemente lendo Nelson Rodrigues, García Marquez ou Dostoiévski. Rand trazia uma leitura despretensiosa, quase que uma literatura de rodoviária, enquanto eu o lia, pensava: "esse livro não seria respeitado como literatura de ponta se não fosse a hype que os hipsters criaram em torno dele".

São livros que, mal comparando, se não são uma já mencionada literatura de ponta, poderiam render bons filmes hollywoodianos e séries distópicas, como Jogos Vorazes, Maze Runner, Divergente e etc. Mas que, se posicionando-o ao lado de Harry Potter e Senhor dos Anéis, por exemplo (não a nível de história, mas literatura) ele perde feio, muito feio. 7 x 1.

Então, como esse livro foi exaltado ao posto de "guru" da alt-right? Conforme fui lendo, percebi que algo completamente bizarro dava o tom da história, o povão, os oprimidos, eram descritos como indolentes, preguiçosos, safados, ordinários, portadores e culpados por todas as desgraças da humanidade, enquanto que os altruístas e heróis, formavam a elite daquela sociedade, os Estados Unidos. Mal comparando com um termo do "occupy wall street", era como se o 99% fosse o vilão e o 1% herói.

Terminei os livros angustiado e com uma sensação, "como pode uma merda dessas encontrar tantos adeptos com uma falsa ideia de liberdade?".

Bons ou ruins, este conjunto de "teóricos" estão formando as cabeças do "centro" da sociedade e a maneira de como os nossos jovens pensam e exercem pressão sobre as instituições e imprensa. Acreditar que eles defendem a liberdade por que eles sequestraram este termo, porque eles são bem humorados, "zoeiros", e são jovens que se dizem "trabalhadores", é um erro.

Desconhecer as intenções das ideias que eles defendem, é um erro ainda maior. Não existe simetria entre o que o MBL defende com o que o MST defende. O MST, por exemplo, é reativo a séculos de exploração e não é violento, apesar de sua estética ser permeada assim na mídia, já o MBL, possui violência ativa, odiosa, de caráter indigno.

Essa gente está colocando o país e a vida de pessoas em risco.

Texto publicado no Facebook por Vinícius Carvalho.

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